Despedimo-nos
dos amigos feitos em Aracruz e partimos em direção ao carnaval de Itaúnas. A
vila fica a 261 km da capital e é possível acessa-la de ônibus partindo de São
Mateus ou Conceição da Barra. Tomamos o ônibus partindo de Aracruz com destino
a João Neiva por R$ 4,90, viagem com a duração de aproximadamente 30 minutos.
Em João Neiva, pegamos o ônibus até Conceição da Barra por R$ 15,84. Cometemos
um erro que pode custar muito caro a quem viaja com poucos recursos financeiros:
saímos da cidade de origem no meio da tarde e por essa razão, chegamos por
volta de 00h00 em Conceição da Barra. Nesse horário, além de não saírem mais
ônibus até Itaúnas, onde planejávamos passar alguns dias, nenhum dos campings
pôde nos atender e todas as pousadas já estavam com os preços de carnaval, o
que significa valores bastante elevados. Em períodos festivos os nativos têm o costume
de alugar os quartos de suas residências, de forma que acabamos alugando um
quartinho com colchões no chão e banheiro compartilhado por R$ 40,00 por casal,
o pior custo benefício até então.
Conceição da
Barra nos pareceu ter praias bastante interessantes e movimentadas, talvez em outro
período nos chamasse a atenção para a visitação. Entretanto, como em diversos
outros destinos, a cidade promove um carnaval como os que se encontra em
qualquer outro lugar, repleto de carros com o som super potente no último
volume, multidões de turistas aglomeradas e consumo excessivo de álcool, fatores
que na maior parte das vezes geram outros desagrados, como brigas e os famosos
¨mijões¨ que despejam sua bebida sem nenhum pudor em ruas e paredes de
concreto, deixando sua marca com um odor nada agradável.
Por esses
motivos não permanecemos quase nada na cidade, que como dito anteriormente, nos
pareceu bastante bonita. Partimos logo cedo em um ônibus da empresa Mar Aberto
para a vila de Itaúnas, percurso que dura cerca de 40 minutos e custa R$ 6,05.
Em alta temporada, existem ônibus praticamente de hora em hora, porém fora
desses dias a frequência de ônibus diminui bastante.
Chegamos à
curiosa vila de Itaúnas e logo nos apaixonamos pelo lugar. Nos alojamos no
camping Hippie Sara, um local muito agradável com ótimas instalações de cozinha
e banheiros pela diária de R$ 20,00 por pessoa. Como ficamos todo o carnaval,
conseguimos um desconto com o qual pagamos a diária de R$ 10,00 por pessoa
Expusemos
nossa produção artesanal na feira da cidade graças ao acolhimento dos feirantes
locais e flutuantes já instalados, mas foi caminhando pela praia repleta de
visitantes oferecendo cadernos completamente produzidos à mão que nos
mantivemos financeiramente durante toda a nossa estadia na cidade.
As praias que
conhecemos nos arredores da vila são maravilhosas. Costa Dourada, situada a
40km de Itaúnas por uma estrada de terra em ótimas condições, possuí falésias
em sua orla que fornecem generosas sombras para os visitantes sem guarda-sol,
além de uma paisagem estonteante. Riacho Doce, localizada a 8km pela mesma
estrada que leva à Costa Dourada, em estações chuvosas, é o encontro do rio de
Itaúnas de águas pretas, devido à alta concentração de minério benéfico à pele,
aos cabelos e às unhas, com o mar. Como visitamos a cidade em dias secos, a
paisagem era composta de um mar de cores verdes e azuis de um lado e um rio de
aguas pretas desaguando em uma pequena lagoa do outro. Os bares locais são
interessantes talvez mais pela ossada de baleias provavelmente encalhadas nas
costas e por suas placas divertidas do que por sua gastronomia propriamente
dita.
A mais impressionante, em nossa opinião, é a praia de Dunas. O princípio
desgastante do percurso caracterizado por uma subida íngreme de areias finas e
muito quentes é transposto pela grande formação de dunas brancas e amareladas
que se descobrem no topo do primeiro morro. A paisagem é estonteante e fica
ainda mais incrível quando, caminhando em direção a praia, desponta no
horizonte de areia, o mar claro de Itaúnas.
Entretanto, o
que se tornou o ponto turístico mais visitado da região, é na verdade uma
catástrofe ecológica ocasionada pelo ser humano: as dunas cobrem quase
completamente a antiga vila de Itaúnas. Apenas um pedaço de parede de pedra e a
ponta da primeira igreja da cidade continuam a vista, emergindo da areia. Nos
impressionamos muito com a história e para saber mais, pesquisamos sobre no
acervo da biblioteca do Parque Estadual de Itaúnas, graças à disposição dos
monitores que lá trabalham. Tivemos acesso à matérias de jornais publicados na
época do soterramento e logo depois, além de uma tese de mestrado muito
interessante.
Entre a antiga
vila de Itaúnas a as formações de dunas que sempre existiram, havia a vegetação
restinga que protegia a cidade do avanço da areia carregada pelos fortes ventos
do norte, constantes na região. Entretanto, em 1942 aproximadamente, a área
verde começou a ser desmatada por motivos não claramente definidos. De qualquer
maneira, é nessa época que se inicia a comercialização intensa de madeira no
país. Seguindo o avanço do desmatamento, a areia cobriu primeiramente o
cemitério e a igreja, forçando seus moradores a construírem um novo cemitério e
igreja mais afastados da entrada de areia. Entretanto, a areia continuou
cobrindo a cidade e em 1970 a última família residente na vila abandonava sua
casa. Curiosamente, na década de 70 acontece o declínio da comercialização de
madeira no país. Moradores da antiga vila explicam o ocorrido com crenças
religiosas, maldições de santos, padres, crianças abandonadas e bichos
fantasiosos. De qualquer maneira, ademais de dados históricos e científicos, as
dunas que encobrem a antiga vila está repleta de poesia. Para maiores
informações, existe um documentário chamado Itaúnas – Catástrofe Ambiental
(podemos enviar por e-mail) e Rogério Medeiros possuí fotografias
impressionantes.
Ainda em
Aracruz, no contexto da visita à aldeia indígena Pau Brasil, nos indicaram, para
a continuidade do trabalho de documentação de movimentação social de
resistência, a comunidade quilombola Angelim I, situada à 5km de Itaúnas, em
direção a Conceição da Barra. A comunidade, assim como a aldeia, sofre com a
devastadora instalação e manutenção da empresa Fibria, antiga Aracruz Celulose.
Assim que chegamos fomos muito bem recebidos por Claudentina e seu filho
Teresino, uma das referências de engajamento que trazíamos. Teresino e sua mãe
nos contaram com um discurso extremamente claro e organizado as estratégias e
condutas da empresa para desapropriar terras historicamente pertencentes à
comunidade.
Além disso,
ilustraram a consequência dessas ações, tais como o enfraquecimento do
movimento através de propostas chamativas, mas ineficientes, além da
inutilização de terras e seca de lagoas devido ao plantio de eucalipto,
paisagem predominante no estado. Foi incrível a semelhança entre os relatos dos
integrantes da aldeia e dos integrantes da comunidade, apesar das
particularidades de cada luta. Mais uma vez lembramos que o produto do material
coletado nessas visitas será disponibilizado em breve no formato de um
documentário.